Dostoiévski sem cérebro
O
Pedro Bial tá de cabelo branco por causa da Giulia Gam e ainda
teremos três meses de zoológico pela frente: em suma, gente
normal que não tem nada a dizer e que cria uma empatia sórdida
com quem não tem nada mais a fazer, tipo donas de casa panópticas
e autistas de plantão
Por
Marcelo Mirisola
Creio que todas as donas de casa que vibram com o Big Brother Brasil já
devam ter ouvido falar nos panópticos de Jeremy Benthan. Impossível
falar em BBB e não fazer esta conexão. Só para lembrar.
Foi este filósofo utilitarista inglês o idealista do sistema
de construção que permite, a partir de determinado ponto,
avistar todo o interior de um edifício (ou claustro). Deste lugar
ou torre de observação, o Diretor da prisão -
segundo a idealização de Benthan - “veria sem
ser visto”. Assim, ele monitoraria o comportamento no claustro amparado
na incerteza de quem é observado. Entre outras coisas, esta incerteza
resultaria em economia e eficácia no controle dos subalternos,
detentos ou doentes enclausurados, uma vez que, tendo a privacidade invadida
de modo furtivo, o vigiado acabaria, ele mesmo, em dado momento, se vigiando.
Tudo o que uma dona de casa sempre desejou para o filho adolescente antes
do celular.
Foucault estudou a impessoalidade no panóptico de Benthan e desconfiou
que “o grande olho” não precisaria necessariamente
ser do Diretor; podia ser de um amigo, um simples funcionário subalterno,
inclusive podia não ser ninguém. Benthan morreu em 1832
e Foucault, em 1984.
Nem um, nem outro, porém, cogitaram que o observado(a) pudesse
arreganhar as genitálias para as revistas especializadas e inverter
o ponto de vista do final da picada: todo o arrepio claustrofóbico
da sentença de Foucault ou “a coerção punitiva
do invisível” foram revertidos em esculhambação
e merchandising a serviço do Pedro Bial, maestro do claustro ou
crupiê do final da picada - seja para o bem ou para o mal.
Quero, aqui, deixar muito bem claro que esse Benthan era um escroto. E
que Foucault, George Orwell e Aldous Huxley (que igualmente apostaram,
digamos, na “distinção humana ante a vigia da besta”)
fizeram nada mais nada menos do que profetizar o tempo em que viveram.
Só isso. Todos eles quebraram a cara. O que era ameaça e
coerção virou prêmio, vontade de aparecer e objeto
de entretenimento.
Apostar no humano é prejuízo na certa; com os cavalos e
o jogo dos outros bichos, ainda temos a ilusão como prerrogativa
antes da perda: de algum modo a perda é diminuída pelo vício,
pela aposta seguinte. Por isso que os mais lúcidos enchem a cara,
usam drogas pesadas e amam uma vez só nesta vida: não há
chance em apostar em algo zerado, nenhuma chance. O que era humano matou
o amor, matou a ilusão. A vida e suas conseqüências
mais belas jamais tiveram grandiosidade para tipos como Jeremy Benthan,
demandaram apenas vigilância: e era esse grande olho tudo o que
os vigiados precisavam para mostrar o quanto suas vidas eram irrelevantes,
à semelhança do observador. Triste coincidência.
Mas, falando em “vida” - porque eu ainda acredito em algo
que apodrece antes da morte -, teve uma época na minha própria
(há aproximadamente trinta e quatro anos, desde os meus três
anos de idade, quando compreendi que o ursinho da lata de talco pompom
era um canalha até novembro do ano passado, quando me convidaram
para escrever aqui) em que fui obrigado a ouvir muita porcaria dos outros
e calar a boca. Senão por despeito, por perplexidade ou porque
ninguém estava interessado em saber da minha opinião. Belos
tempos em que eu me trancava no quartinho da empregada e desejava a morte
para os meus entes queridos e para os não queridos também.
Há dois meses, como eu dizia, as coisas mudaram - embora eu continue
ouvindo as mesmas porcarias, veja a mesma televisão e freqüente
o mesmo supermercado. Hoje minha condição social é
outra. Sou um autista remunerado: e remunerado exatamente para desejar
as mesmas coisas que eu desejava antes, só que em público.
Estou aqui na condição de terceiro olho. O mais obscuro,
aquele que é o destinatário do esgoto, que fede e pressente
os adágios e cavalgadas mais violentas, vigia e pune, abre, fecha
e pisca de acordo com o roteiro estabelecido pelo Boninho, que é
o olho do olho do Bial. A gente se vê. Assim, portanto, na condição
de buraco negro, fui obrigado a assistir o Big Brother deste domingo,
dia 17.
Aos Brothers: ouvi algo a respeito de uma briga entre duas peruas. Constam
um crioulo sarado e um coveiro improvável estrategicamente ajambrado
pela produção para ganhar o jogo, um caipira (ou seria a
caipira a perua encrenqueira?) O que mais?! Fulaninho(a) humilde, tatuagens,
piercings, arrebites e músculos generalizados, animais arrotando,
escovando os dentes e copulando debaixo dos edredons. Gincanas idiotas.
Um místico. Outro macumbeiro. O Pedro Bial tá de cabelo
branco por causa da Giulia Gam e ainda teremos três meses de zoológico
pela frente: em suma, gente normal que não tem nada a dizer e que
cria uma empatia sórdida com quem não tem nada mais a fazer,
tipo donas de casa panópticas e autistas de plantão remunerados
como eu e o Daniel Piza (ele mais do que eu).
Adorei a argentininha e aproveito esta crônica para pedi-la em casamento
- quero ter dois filhos mongolóides com ela, Dieguito e Edson;
evidentemente, só para ser o do contra, Dieguito será meu
preferido.
Big Brother é Dostoiévski sem cérebro. Uma vez afirmei
isso numa entrevista. E, para que ninguém tenha nenhuma dúvida,
quero sugerir à produção do BBB 4, a inclusão
de “O Idiota” e “Crime e Castigo” como halteres,
os brothers poderiam malhar o corpo com Dostoiévski, alguma utilidade
- se depender de mim - a literatura terá dentro daquela
jaula. Uhúúúhúuu, galera!!!
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