PELO FIM DO CARNAVAL AMAPAENSE
Renivaldo Costa -
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O antropólogo
Roberto da Matta foi um dos primeiros a teorizar sobre o Carnaval, fugindo
da vertente tradicional que identifica a festa simplesmente como cultura
popular. No livro "Carnaval, Malandros e Heróis" o tema
central é o dilema entre os aspectos extremamente autoritários,
hierarquizados e violentos da sociedade brasileira e a busca de um mundo
harmônico, democrático e não conflitivo nesta mesma
sociedade.
Para o autor, se as paradas militares, as procissões religiosas
e o "você sabe com quem está falando?" ritualizam
e explicitam os aspectos hierárquicos e autoritários da
sociedade brasileira, o carnaval e os heróis populares dramatizariam
o seu oposto. Para o antropólogo, o carnaval é essencialmente
igualitário e, nos seus três dias, transpõe para o
mundo da "rua" os ideais das relações espontâneas,
afetivas, e essencialmente simétricas que são a contrapartida
das paradas. A negação que o carnaval faz das estruturas
de poder e autoridade é corporificada no malandro e seu paradigma,
Pedro Malasartes, que não respeita nem crê nos valores da
autoridade e do poder, mas os conhece, e aproveita deles em seu próprio
benefício. O malandro, ao contrário do herói, não
busca dominar a estrutura do poder e a ela se sobrepor - e, nesse processo,
terminar por ser reabsorvido por ela. Ele vive nos interstícios
do sistema, de seus absurdos e de suas contradições. Se
o herói sai das paradas e o malandro dos carnavais, outro personagem
- o místico renunciador - sai das procissões. Ele rejeita
o sistema como um todo, nem o aceita nem se aproveita dele, mas cria seu
próprio espaço de vida e seus próprios valores.
Analisando pelo prisma antropológico à luz de Roberto da
Matta, poderíamos supor que o Carnaval é uma manifestação
cultural que liberta o homem e, por isso, deve a todo custo ser preservada.
Mas há outras vertentes a serem analisadas.
Recentemente, durante uma pesquisa num centro de saúde, por contingência
acadêmica, descobri que no mês de novembro são registrados
os maiores índices de gravidez na adolescência. A explicação
pode ser encontrada nove meses antes, durante o Carnaval. Nessa época,
vigora o discurso (medíocre, aliás) da permissividade. No
Carnaval, segundo dizem, tudo é permitido. E seduzidas por esse
discurso, meninas se entregam a homens que nunca viram e por quem nada
sentem.
No carnaval, o índice de pessoas contaminadas com o vírus
da Aids aumenta em 45%, sem se falar de outras doenças sexualmente
transmissíveis que proliferam. Milhares de gravidezes sem compromisso
se consumam para serem encerradas em clínicas de aborto. É
também no carnaval que milhares de pessoas perdem suas vidas, vítimas
do uso de variados tipos de drogas,como o álcool, gerador de imprudências
no trânsito, de intolerâncias, de brigas, de violência
e de morte.
Mas, se o carnaval causa tantos prejuízos assim, porque ser defendido
tão apaixonadamente pelas pessoas?
Desde a semana passada, uma polêmica tem tomado espaço na
imprensa. Um juiz concedeu liminar proibindo o Governo de repassar dinheiro
para a Liga das Escolas de Samba do Amapá ao Carnaval do ano que
vem e de usar quadras das escolas públicas para ensaios das agremiações.
A medida foi duramente rechaçada pelas escolas de samba e cogitou-se
a possibilidade da não realização do desfile de 2005.
A discussão passa por uma dependência histórica que
não apenas o carnaval, mas outros eventos populares têm ao
investimento de recursos públicos. No Amapá, não
se realizam campeonatos esportivos, festas juninas nem a quadra momesca
se o governo não subsidiar os custos. O problema é que esta
é uma herança deixada desde os tempos de Janary Nunes, quando
até mesmo as festas de marabaixo eram patrocinadas pelo governo
territorial.
Nada contra o apoio institucional, e tudo contra a dependência que
foi criada ao apoio do governo. Em outras unidades da federação,
o apoio governamental apenas reforça o orçamento das agremiações
carnavalescas e não é o único subsídio para
a realização das festas.
Precisamos romper com esse discurso paternalista, que aliás tem
como defensores não apenas o presidente da Liga das Escolas de
Samba, ávido pelo dinheiro, como também gente que eu considerava
esclarecida como alguns colegas da imprensa.
Se o carnaval 2005 não acontecer, ninguém perde com isso.
Ao contrário, ganha a vida, o bom senso e principalmente a ordem
pública.
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