JARI: política e ética
“Apenas o rio separa Monte Dourado do Beiradão, subproduto
involuntário e incontrolável do megaprojeto de transformar
a Amazônia num oásis agrícola - e que surgiu,
entre outras coisas, para oferecer mulheres. Entre os dois lados,
são dois minutos de barco a motor, as voadeiras. Mas estão
muito distantes no tempo. Monte Dourado é o cartão-postal
do sonho de se realizar o projeto excêntrico de Ludwig. A cidade
reproduz um bairro do interior dos Estados Unidos: casas ajardinadas
sem muro, ruas limpas e floridas. Impressionam a profusão e
a beleza das bouganvilles. Vermelhas, amarelas, roxas, brancas. Crianças
limpas e bem-arrumadas brincam nas ruas. De lá, tem-se a desalentadora
paisagem do Beiradão, desprovido de saneamento, onde só
em dezembro o cólera fez 65 vítimas. Quando podem e
têm dinheiro, os operários trocam a higiênica Monte
Dourado pelos corpos femininos do Beiradão...” Assim,
em 1992, o jornalista Gilberto Dimenstein descreveu uma das rotas
da Prostituição de Meninas-Escravas no Brasil.
Desde a passagem de Dimenstein pelo Jari, muita coisa mudou. Nesses
14 anos o Jari deixou de ser um “subproduto de um megaprojeto”
para ser uma cidade. Deixou de ser o “Beiradão dos corpos
femininos” para ser o Jari de mulheres guerreiras, famílias
e sonhos. O “Nhá-Rin” - Rio das Castanhas -, na
linguagem dos índios Apalais, abriga o maior município
do Estado em área territorial, sendo um dos mais protegidos
do planeta, condição esta que pode lhe trazer vantagens
comparativas se for utilizada com inteligência e ética.
Entre as muitas histórias do Jari, uma experiência merece
registro. Em 2000, o Jari havia sofrido o impacto das mudanças
climáticas globais e possivelmente do desmatamento das florestas
que circundam a cidade e que nos últimos tempos tem aumentado
consideravelmente. A cidade foi invadida pelo Nhá-Rin, alertando
as pessoas que ali é o local das águas e que é
preciso se adequar a essa condição e não o contrário.
Três vias de acesso (Tancredo Neves, José Cezário
e Rio Branco) construídas pelos “homens racionais”
sobre e contra as águas desafiaram a lógica da natureza,
barrando o curso natural do Rio Jari. O estrago da enchente de 2000
foi grande e deixou marcas.
Um Grupo de Trabalho (GT) envolvendo o Ministério do Meio
Ambiente, o Governo do Amapá, a Prefeitura de Laranjal do Jari
e a Bancada Parlamentar do Amapá foi montado para organizar
uma força-tarefa para o Jari. O GT realizou várias reuniões
com a comunidade local, ouvindo e discutindo propostas para melhorar
a cidade e diminuir os riscos de novas enchentes. Decidiu-se, sociedade
e instituições, pela construção de um
conjunto de obras (Construção da Praça Central,
Urbanização e Construção de Pontes nas
Avenidas Tancredo Neves, José Cesário e Rio Branco,
Implantação do Aterro Sanitário, Construção
do Porto do Jari e Dragagem do Rio Jari/Arapiranga para melhorar a
hidrodinâmica local). Numa iniciativa do Deputado Eduardo Seabra,
que havia participado de todas as reuniões com a comunidade,
uma emenda de bancada de R$ 5 milhões permitiu a implementação
do Plano de Gestão Ambiental Urbana de Laranjal do Jari.
Nem tudo saiu como a comunidade sonhou. A mudança de governo,
o mau-humor do prefeito, a falta de profissionalismo das empresas,
a ausência da parceria da Empresa Jari, a intolerância
e outras questões inerentes à subjetividade humana,
não permitiram que 100% do plano fosse executado. Mas muita
coisa foi realizada. Entre os muitos aprendizados desta experiência
de gestão urbana, a proximidade entre governos (Federal, Estadual
e Municipal) e cidadãos permitiu um maior controle social num
contexto local até então marcado pela corrupção
e total ausência de transparência administrativa. Olhando
hoje para a bela Praça Central do Jari, que decora uma propaganda
do atual governo, tenho a convicção de que é
possível melhorar o Amapá se melhorarmos a política
e não transgredirmos a ética.
Marco Antonio Chagas, doutorando em desenvolvimento sustentável
pelo NAEA/UFPA
[email protected]
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