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ANA
DE HOLLANDA, UM FILME BUARQUIANO
Renivaldo Nascimento Costa
[email protected]
Ana
de Hollanda nasceu Anna Maria Buarque de Hollanda, em 12 de agosto de
1948. Filha do historiador e sociólogo Sérgio Buarque (autor
do clássico Raízes do Brasil), a cantora desde cedo conviveu
num ambiente onde a música e a literatura sempre estiveram presentes.
Não era pra menos. Sua casa era freqüentada por figuras como
Vinícius de Moraes, Manuel Bandeira, Oscar Niemeyer, e tantos outros.
Irmã de Miúcha e Chico Buarque, ela faz questão de
dizer que quer ser reconhecida pelo seu trabalho e não pela sua
família.
Ana é a atual diretora do Centro de Música da Fundação
Nacional da Arte (Funarte) e em meio a sua tumultuada agenda, arranjou
tempo para essa entrevista onde diz, inclusive, que espera um convite
para vir ao Amapá.
Renivaldo
Costa - Você começou cantando profissionalmente
em 1964 quando, no auditório do Colégio Rio Branco (em São
Paulo) você compunha o grupo familiar Chico Buarque e as quatro
mais. Por que então só gravou o primeiro disco 16 anos depois,
em 1980?
Ana de Hollanda -Eu era garota de colégio de freiras,
não pensava em profissão ainda e, para minha mãe,
isso não era profissão para "moça de boa família".
Tanto que foi uma briga dentro de casa quando, devido à repercussão
do show, veio a proposta de repeti-lo na TV Record e, se Chico não
levasse as "4 Mais" (minhas irmãs Cristina e Maria do
Carmo, a amiga Helena Hungria e eu) e repetisse o mesmo show do Colégio
Rio Branco, a participação dele seria vetada. A muito custo,
mamãe acabou permitindo, desde que nunca mais ele levasse as "menininhas"
para palco nenhum. Não pudemos nem assistir pela
TV. Depois Chico estourou, as irmãs pequenas viraram “gente
grande” e eu pensava numa dupla com Cristina, quando veio o convite
para ela gravar o primeiro disco. Aí eu desanimei. Cantava eventualmente
em coros de discos e shows de amigos, mais para me divertir. Até
que, depois de fazer um programa despretensioso de rádio, cantado
acompanhada por um violonista, recebi o convite do produtor do selo dessa
rádio, o Selo Eldorado, para gravar meu primeiro disco solo."
RC
- A intenção para a música teve influências
dos seus irmãos Miúcha e Chico Buarque ou já estava
desenhada na sua cabeça, independente do sucesso dos dois?
AH - A casa toda era ligada em música. Meus outros
dois irmãos mais velhos, Álvaro e Sergito, colecionavam
discos. Um era ligado nas novidades boas outro nas raridades antigas.
Papai adorava música, era amigo de Vinícius de Moraes e
Paulo Vanzolini que sempre iam em casa, tendo conhecido Ismael Silva,
Donga e tantos outros sambistas. E nós, os irmãos, adorávamos
aprender músicas, cantar e fazer vocais. Era tudo divertimento.
Não se pensava em carreira, muito menos sucesso.

RC
- Você é uma artista extremamente talentosa, de idéias
e identidade própria, mas muito provavelmente vai carregar estigmas,
como o fato de ser filha de Sérgio Buarque de Hollanda e irmã
do Chico e Miúcha. Como lida com isso?
AH - É, principalmente ser irmã do Chico.
No início existia muito uma certa desconfiança quanto ao
meu talento por parte de gente que nem conhecia, nem se interessava em
conhecer meu trabalho, achando que eu (e isso aconteceu com Miúcha
e Cristina também) estava querendo pegar uma carona no sucesso
dele. Até hoje existe um certo preconceito por parte de certas
pessoas. Tem gente que acha que o parentesco torna as coisas mais fáceis.
Mas é o contrário, porque a cobrança é muito
maior. Agora, isso não abala a segurança de que estou no
caminho certo, porque eu recebi rasgados elogios e incentivos de compositores,
cantores e músicos e especialistas por quem eu tenho o maior respeito
e que não precisavam me agradar para nada.
RC
- Acredita-se que o artista sempre tem seus referenciais. Quais são
os seus referenciais musicais?
AH - São tantos... Às vezes eu me dou conta
de um a mais. Mas talvez, além dos clássicos (Noel, Ataulfo,
Ismael, Geraldo Pereira, Assis Valente, Wilson Batista, muita marcha de
carnaval e frevo), o que me marcou muito foi a Bossa Nova (Tom Jobim,
João Gilberto, Carlos Lyra, Tamba Trio, Nara Leão, Quarteto
em Cy, Silvinha Telles, Sérgio Ricardo etc, etc). Isso me abriu
a cabeça pra música brasileira e para outros compositores
que faziam samba-canção e outros estilos que, até
então, eram meio pesados pra minha cabeça de menina. Mas
eu escutava também clássica (adorava a ópera Carmen),
cantava música italiana que aprendi quando moramos em Roma, americana
(a
boa, é claro), e Jacques Brel. Depois, acompanhei tudo o que aconteceu
nos anos 60 e 70. Tudo isso e muito mais marcou minha formação.
RC
- O que você anda lendo ultimamente?
AH - Tou lendo o livro do Tarik de Souza "Tem Mais Samba"
e o livro de correspondência de Vinícius de Moraes "Querido
Poeta".
RC
- Você já esteve aqui por perto, fazendo shows nos Estados
do Amazonas e do Pará. Por que nunca veio ao Amapá? Faltou
convite?
AH -É, estou aguardando...
RC
- Outro dia num e-mail eu te comentava sobre os referenciais dos anos
60 e do século XXI. Dizia até que você é um
referencial da atualidade. Que figuras você destacaria nessa nova
leva de produção musical?
AH -É claro que vou esquecer muita gente importante,
mas só pra destacar alguns entre os conhecidos do grande público:
Chico César, Guinga, Marisa Monte, Sérgio Santos, Uakti,
Zeca Pagodinho, grupos de choro como o Maogani, Água de Moringa,
Madeira Brasil, Hamilton Holanda, Teresa Cristina, Mestre Ambrósio...e
a lista vai embora...
RC
- No seu primeiro disco você gravou a música Tipo Zero, de
Noel. No mais recente, Um Filme, gravou Mais um Samba Popular, parceria
de Noel e Vadico. Você parece gostar muito do trabalho do Noel.
Por que ?
AH - Noel foi um caso excepcional na história
da música. Em 10 anos compôs um imenso e impecável
repertório que qualquer ótimo compositor levaria 50, 60
anos pra fazer. Ele, além de talentoso e inteligente, tinha um
humor muito irônico. Estava décadas e décadas à
frente do seu tempo... Ainda se gastará muito papel tentando explicar
esse gênio.
RC
- Fala um pouco da família. Você é casada, tem filhos?
AH - Sou divorciada e tenho um filho, Sérgio e
uma filha, Ruth.
RC
- Um tempo atrás eu entrevistei o Lobão e ele criticou o
"jabaculê" envolvendo as gravadoras. Qual sua opinião
sobre esse assunto e você acredita que isso impede com que trabalhos
como o seu sejam mais divulgados?
AH - Eu assino embaixo do Lobão. As gravadoras
transformaram obra de arte em negócio puramente lucrativo e, através
da mídia radiofônica e televisiva (também existe na
imprensa escrita, mas o alcance é menor), estão estrangulando
a criatividade do músico brasileiro e deseducando a população
que não tem acesso ao que se faz de melhor. O negócio é
a música fácil, pobre sob todos os pontos de vista, para
se fácil de ser consumida e descartada para se substituir por outra
similar.
RC
- Recentemente eu fiz a montagem de uma peça do Nelson Rodrigues
(Valsa nº 6) e ralei par juntar público. Nas suas andanças
como tem sido a formação de platéia?
AH - Continuando o papo da influência da mídia,
aí a imprensa tem um peso. Infelizmente muitos dos nossos editores
e críticos também aceitam "presentes" para dar
grande destaque e consequentemente lotar os teatros das grandes produções
que, muitas vezes são a continuação da TV. O que
salva é o boca-a-boca que, frequentemente consegue romper esse
ciclo. Mas para isso, tem que se fazer o corpo-a-corpo também.
RC
- No mais, quais seus projetos em andamento?
AH - Tenho composto. Quase sempre letrando canções
como a última que fiz com Nivaldo Ornelas. Tou com parcerias inéditas
também com Novelli, Helvius Vilela e Kleber Costa. Acho que tá
na hora de gravar. O problema é que atualmente sou Diretora do
Centro de Música da Funarte, responsável pela política
para música dentro do Ministério da Cultura, e isso está
me absolvendo muito do tempo e energia. Eu não queria trabalhar
mais em outras coisas que não fosse a minha carreira mas, quando
veio o convite do Presidente da Funarte Antônio Grassi, que também
é ator, não tive como resistir ao desafio.
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