NO CÉU SÓ ENTRA QUEM PODE, NO MUNDO SÓ
VALE QUEM TEM.
Por mais que o meu relacionamento com as pessoas atinja os mais altos
graus de intensidade e intimidade, ainda consigo me surpreender, e muito,
com o comportamento humano sempre tendente a uma homogeneidade que converge
para as convenções pré-estabelecidas no pensamento
social do mundo ocidental. Latinos? Não. Deveríamos ser
classificados de sub-americanos, pois copiamos de forma desigual o modelo
de vida dos americanos legítimos. Talvez por influência
dos filmes de super-heróis que revelam a supremacia dessa raça
exportada pela Academia Hollywoodiana que encanta o mundo com tanto
realismo. Quem somos nós para viver como eles?
Digo isso porque um dia desses ia passando pelo centro da cidade quando
um amigo dos tempos de colégio cruzou comigo e buzinou do seu
carro acenando. Estava caminhando numa calçada quando o fato
aconteceu e um outro amigo dele, aliás, mais amigo do pai dele
do que dele mesmo, o cumprimentou também, ocasião em que
era formada uma rodinha desses “cinquentões” falidos
e outros em estado de decadência. Do cumprimento gestual, veio
a vaidade daquele amigo do pai do amigo meu:
- Esse aí é filho de “fulano de tal”, Juiz
de Direito, um menino novo desse já é uma autoridade.
Aí, fiquei pensando o quanto a humanidade cultua um cargo importante,
um crachá, um rótulo, um sobrenome, uma etiqueta, um cartão
de visitas. Recordei de pronto, dos tempos do Seminário Arquidiocesano
da Paraíba num domingo que saíamos da missa das nove na
Catedral, eu e meu saudoso pastor Dom Gerardo Ponte. Ele me dava carona
até a casa de meu pai, quando paramos no semáforo em frente
da Prefeitura de Patos, minha terra natal. No sinal do lado do Fórum,
coincidentemente, um Juiz de Direito aguardava o sinal verde. Já
no farol da Epitácio Pessoa - principal avenida da cidade
- quem passava era o Prefeito. Bom, nesse “cruza-cruza”
Dom Gerardo ficou horrorizado com a frieza daquelas autoridades que
se cruzaram e não se cumprimentaram. Ele, sempre em tom piedoso,
dessa vez saiu da linha:
- Olha aí aonde vão desfilando suas vaidades no centro
da cidade dois sacos de esterco, protegidos pelos seus carrões
fechados. E pensar que Jesus entrou em Jerusalém, montado num
jumentinho e ainda foi aclamado como Rei. E esses dois aí, parecem
que nem sabem que virarão carniça quando morrerem.
A perda da dimensão do “ser” deu lugar, copiosamente,
a coisas que não se estabelecem, logo passam. Aqui mesmo em Macapá
o cidadão, dependendo de sua patente perde até seu nome,
pré-nome e sobrenome e passa a ser conhecido por apelido. Se
for comerciante recebe como referência o nome de fantasia de sua
empresa. Se for funcionário público incorpora ao seu registro
civil à repartição em que trabalha. Bom mesmo era
quando a referência era dada pelo nome do pai ou da mãe,
a exemplo de: “fulano, filho de cicrano”. Presenciei, certa
vez, uma cena em que um adolescente foi indagado de quem era filho e
ele respondeu:
- Eu sou sobrinho de fulano de tal (seu tio era conhecido pelo profissionalismo
).
São cenas comuns do nosso dia-a-dia, mas que de vez em quando
a gente fica imaginando e dando umas boas risadas e ficamos nos questionando
sobre o que somos nós mesmos. O que representamos para vida do
outro? Digo isso porque ninguém é boi para valer as arrobas
que pesa.
Poderia aqui rasgar o verbo e apontar culpados, disparando pra todo
lado. Mas prefiro é ficar com a poesia do cancioneiro do povo
que, sabiamente, cantou certa vez:
“Quem não pode se sacode
Se não posso faço o bem
No céu só entra quem pode
No mundo só vale quem tem.”
Aylan da Costa Pereira - Jornalista
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cel.8116-3156