REFLEXÕES SOBRE A INEFICIÊNCIA ESPETACULOSA
Everardo Maciel (Gazeta Meecantil)
A Receita Federal logrou, no mês de junho, mais um recorde de
arrecadação. Repete sucesso que se constata, mês
após mês, há mais de uma década. Os resultados
têm sido de tal sorte expressivos que conseguiram banir a expressão
“frustração de receitas” do dicionário
dos analistas de contas públicas federais. Esse conceito era
recorrentemente utilizado na explicação dos déficits
públicos.
A principal explicação para o bom desempenho de junho
foi a recuperação de débitos em atraso, em decorrência
de ação conjunta da Receita Federal e Procuradoria da
Fazenda Nacional. Neste semestre, o crescimento real de 10%, quase
o dobro do que se espera venha a ser o crescimento anual do PIB, resultou
do aumento da lucratividade das empresas e da expansão das
vendas.
Em anos anteriores, foram identificadas outras razões para
justificar os recordes de arrecadação, a exemplo de
resolução de litígios judiciais, expansão
do crédito, eliminação de brechas fiscais, etc.
As explicações têm variado ao longo do tempo,
o que revela seu caráter circunstancial. O que talvez não
se perceba, com igual clareza, é que as razões circunstanciais
convivem continuamente com uma outra, de natureza estrutural: a crescente
eficiência do fisco.
A Receita Federal construiu um sofisticado suporte tecnológico
para auxiliar os trabalhos de fiscalização e cobrança
de tributos, objeto de reconhecida admiração em todo
o mundo. Qualificou seus quadros mediante programas permanentes de
capacitação. Eliminou qualquer forma de interferência
política na escolha dos quadros dirigentes e na execução
de suas atividades. Puniu o mau funcionário, sem qualquer limitação
de extração corporativa. Fez bom uso da máxima
jesuítica que proclama a firmeza na ação combinada
com a suavidade no modo de agir (suaviter in modo, fortiter in re),
ao expungir de sua prática a espetaculosidade das operações.
Enfim, preferiu ser eficiente e discreta. Os bons resultados são
o prêmio por sua escolha, considerado o modelo tributário
vigente.
Essa linha de ação contrasta com a que, muitas vezes,
tem sido adotada pela Polícia Federal. O exibicionismo, não
raro injusto para com as pessoas, tem suplantado a eficiência.
Não se pode deixar de reconhecer o aprimoramento profissional
e tecnológico daquela instituição. Não
se percebe, contudo, que ela já tenha alcançado um efetivo
amadurecimento institucional. Corroboram essa tese: os continuados
vazamentos de procedimentos tidos como secretos, em flagrante crime
de violação do sigilo funcional; a banalização
das escutas telefônicas que ameaça, na feliz expressão
do jurista Paulo José da Costa Júnior, “o direito
de estar só”; as ilações infundadas que
escandalizam profissionais, como a de concluir pela existência
de evasão fiscal com base em escutas telefônicas; os
arrastões de bens e informações de investigados,
o que evidencia a falta de foco investigativo. Precisamente por força
desses erros as ações não prosperam no Judiciário.
Mais grave, induz, na opinião pública, uma perniciosa
percepção de impunidade. Portanto, antes de ser improdutiva,
essa conduta é contraproducente.
É certo que, a par desses desvios profissionais, continuamos
prisioneiros de processos intermináveis, justamente em virtude
das amplas possibilidades de recursos. Tal fato responde, em boa medida,
pela morosidade das ações judiciais. Essa combinação
perversa de ineficiência investigativa com prodigalidade processual
conduz, muito freqüentemente, à impunidade, que venha
a ser a matriz de novas condutas delituosas.
Complementam o ciclo da ineficiência, no combate à
corrupção, a falta de clareza das normas e a confusão
nas missões institucionais.
A falta de clareza se expressa de várias formas. Quando se
presume que existe superfaturamento em obras públicas tem-se
como pressuposto que existem padrões prévios para aferição
dos respectivos preços, por que, então, não exigir
nos procedimentos licitatórios a comprovação
de que os valores contratados são condizentes com os padrões
estabelecidos e proceder à sua divulgação pela
internet? Os limites entre as atividades de lobby e o tráfico
de influência não são observáveis à
vista desarmada, por que, então, não disciplinar, em
lei, as atividades de lobby, como pretendia projeto do Senador Marco
Maciel? As leis não podem castigar o cidadão com a inclemência
da falta de clareza.
O imbròglio institucional brasileiro faz Montesquieu, doutrinador
sobre a separação dos Poderes, tremer na tumba. No Brasil,
o Executivo legisla por Medida Provisória e julga por meio
da Polícia; o Legislativo exerce funções judicantes
por meio das, cada vez mais inoperantes, CPIs e dos julgamentos por
falta de decoro, quando em verdade examina delitos comuns; e o Judiciário
legisla ao suprir a inapetência funcional do Legislativo.
De tudo, resta o contraste entre a eficiência e a ineficiência,
entre a ordem e a confusão, neste país de tantos contrastes.