As maiores mentiras nacionais
BRASÍLIA - De plantão em Brasília durante
o recente recesso do Judiciário, o ministro do Superior Tribunal
Militar, Flávio Flores da Cunha Bierrenback, utilizou as horas
de ócio jurídico para desenvolver uma prática que,
salvo engano, anda cada vez mais rara na capital federal: pensar. Como
simples cidadão, meditar sobre os rumos do País neste
início de século XXI.
Ex-deputado pelo velho MDB de São Paulo, ele foi flagrado um
dia desses elaborando a lista das dez maiores mentiras que circulam
como verdades absolutas em todo o território nacional. Não
foi possível conhecer as dez, primeiro pela cautela de Bierremback
em tornar público pensamento íntimo. Depois, porque não
terá completado a relação, preferindo analisar
mais a fundo alguns aspectos da arte de enganar a sociedade, praticada
pelas elites.
A primeira mentira é chocante. Sustenta que "a Previdência
Social está falida". Não é verdade, rabisca
o ministro em seus alfarrábios. Os recursos da Previdência
Social, se não fossem historicamente desviados para outras atividades,
dariam para atender com folga e até com reajustes anuais maiores
os pensionistas e aposentados.
Basta atentar para o que anunciaram, quando ministros, Waldir Pires,
no governo Sarney, e Antônio Brito, no governo Itamar Franco.
Nada mudou, apesar de que, quando assumiu, Fernando Henrique Cardoso
dedicou-se a espalhar a falência imediata, certamente vítima
da febre privatizante, que jamais deixou de cobiçar a Previdência
Social pública.
Outra mentira imposta ao Brasil como verdade, conforme Bierremback,
é de que "estamos inseridos no mundo globalizado".
Para começar, globalizado o planeta não está, mas
apenas sua parte abastada. O fosso entre ricos e pobres aumenta a cada
dia, bastando lançar os olhos sobre a África, boa parte
da Ásia e a América Latina.
O número de miseráveis se multiplica, sendo que os valores
da civilização e da cultura são cada vez mais negados
à maioria. Poder falar em telefone celular constitui um avanço,
mas se é para receber eletronicamente informações
de que não há vagas, qual a vantagem?
Como conseqüência, outra mentira olímpica surge quando
se diz que "o neoliberalismo é irreversível".
Pode ser para as elites, sempre ocupando maiores espaços no universo
das relações individuais, à custa da supressão
de direitos sociais e trabalhistas. Se neoliberalismo significa o direito
de exploração do semelhante, será uma verdade,
mas imaginar que a Humanidade possa seguir indefinidamente nessa linha
é bobagem. Na primeira curva acontecerá a surpresa.
Na mesma seqüência, outra mentira, para o vice-presidente
do STM: "O socialismo morreu". Absolutamente. Poderá
ter saído pelo ralo o socialismo ditatorial, por décadas
liderado pela ex-União Soviética, mas o socialismo real,
aquele que busca dar aos cidadãos condições de
vida digna, a cada um segundo sua necessidade, tanto quanto segundo
a sua capacidade. O que não pode persistir, e contra isso o socialismo
se insurge, é a concentração sempre maior de riqueza
nas mãos de uns poucos. Não pode dar certo.
Nova mentira: "O Estado tem que ser mínimo, deve afastar-se
das relações sociais e econômicas". Para quê?
Para servir às elites? Especialmente em países como o
Brasil, o poder público precisa prevalecer sobre os interesses
individuais. Existe para atender às necessidades da população
que o constitui. Deve contrariar privilégios e estancar benesses
para os mais favorecidos, atendendo as massas.
No que deu para perceber, até aqui, ainda incompleta, a lista
de Flávio Flores da Cunha Bierremback ultrapassará a dez
a que ele se propõe elaborar, sobre as mentiras que nos atingem.
Mas não faltará uma que, felizmente, dissolveu-se através
de um plebiscito nacional, tempos atrás: de que "a proibição
da venda, comercialização e posse de armas faria a criminalidade
decair". Ora, se ao cidadão comum fosse negado o direito
de se defender, na cidade e no campo, estaria a sociedade brasileira
ainda mais à mercê da bandidagem. Seria a felicidade do
ladrão, sabendo que não há armas na casa que vai
assaltar.
Vamos aguardar outra oportunidade para completar a relação
do vice-presidente do STM, fazendo votos para que poucos pedidos de
habeas-corpus castrenses cheguem ao seu gabinete. Assim, poderá
concluir o elenco das maiores mentiras que nos assolam.