A questão do Pirara e a reserva Raposa Serra do Sol
Luiz Ernani Caminha Giorgis, Porto Alegre, RS, 04 de agosto de 2008
- Introdução
A chamada Questão do Pirara foi uma das mais importantes disputas
territoriais do Brasil com seus países lindeiros. Exigiu da
diplomacia brasileira um desempenho à altura da disputa com
um dos países mais importantes do mundo. No caso, a questão
foi entre o Brasil e a Inglaterra. A Guiana Inglesa não era,
como hoje, um país independente.
A região do Pirara é uma das mais setentrionais do
país, localizada a nordeste do atual Estado de Roraima. Fica
localizada entre os meridianos 58º e 60º oeste e entre os
paralelos 1º e 4º de latitude norte, compreendida entre
a margem esquerda do Rio Rupununi e o Lago Amacu, o rio Pirara, o
rio Mahú e o rio Tacutú, até as nascentes deste
último ao sul.
A antiga denominação do Estado de Roraima era Território
Federal de Roraima ou, mais antiga ainda, Território Federal
do Rio Branco. O principal e mais importante curso d’água
de Roraima é o Rio Branco. Por ele chegaram os primeiros colonizadores
portugueses. A Capitania do Rio Negro foi fundada em 1755 para fazer
face aos holandeses.
Joaquim Nabuco
A questão arbitral com a Inglaterra ocorreu a partir de 1901,
sendo concluída em 1904. O Ministro das Relações
Exteriores da época era o insigne diplomata José Maria
da Silva Paranhos Júnior, Barão do Rio Branco, que foi
Ministro das Relações Exteriores durante os governos
de Francisco de Paula Rodrigues Alves (1902-06) e de Hermes Rodrigues
da Fonseca (1910-14). O plenipotenciário brasileiro que defendeu
os nossos interesses na disputa foi o outro insigne diplomata Joaquim
Aurélio Barreto Nabuco de Araújo (Recife, 1849- Washington,
1910), também político, historiador, jurista e jornalista.
Foi um dos fundadores da Academia Brasileira de Letras. Nabuco foi
escolhido para a missão pelo Presidente Campos Sales e por
seu Ministro das Relações Exteriores Olinto Magalhães.
- Antecedentes
Os antecedentes da questão mostram que em 28 de agosto de
1613, o rei Jacques I, da Inglaterra, concedia a Robert Harcourt,
John Rovenson e a Sir Thomaz Challoner, através de cartas patentes,
o território compreendido entre os rios Amazonas e o Essequibo.
Seis anos depois da primeira concessão, a 01 de setembro de
1619, o mesmo rei renovava as cartas patentes aos mesmos súditos.
Foi uma verdadeira pirataria terrestre, sendo as cartas patentes verdadeiras
“cartas de corso terrestres”.
Vê-se que a questão vem de longe. Não se pode
esquecer a luta do bravo Pedro Teixeira contra holandeses, ingleses
e franceses no século XVII na Amazônia.
Conforme o General Antonio da Rocha Almeida, pelos textos dos Tratados
de 1750 (Madri) e 1777 (Santo Ildefonso), a fronteira com a atual
Guiana Inglesa deveria acompanhar os altos cumes da meseta brasílico-guianense.
Em 1777, efetivos espanhóis partidos do Orenoco alcançaram
o Uraricoera, fundaram um pequeno estabelecimento e passaram ao Rio
Branco. Um destacamento luso-brasileiro comandado pelo Capitão
Filipe Sturm derrotou os invasores, apoderou-se do material bélico
que traziam, iniciou a construção de um forte e criou
seis pequenos núcleos urbanos. Conforme a Enciclopédia
Delta Larousse/1972 (Vol 13, pág. 5947), esses núcleos
foram destruídos por um levante indígena chamado Praia
do Sangue, violentamente contido por forças militares.
Em 1778, o Capitão-de Fragata Francisco José de Lacerda
e Almeida, nomeado pela Coroa portuguesa, foi até o Rupununi
e Essequibo, encontrando por toda parte vestígios de ocupação
espanhola e portuguesa. O direito de dominação portuguesa
até o Rupununi sempre foi questão fechada. Na mapoteca
do Itamaraty pode ser consultada a Carta Genérale et particulier
de la Colonia Essequebe et Demerara, situeé dans la Guiana
en Amérique, redigeé et dedieé au Comité
des Colonies et possessions par de Mayor F. v. BOUCHENROEDER, 1978.
Ainda conforme Rocha Almeida, junto a esta carta lê-se a seguinte
nota: “Esta carta é em grande escala e mostra as embocaduras
dos rios Demerara e Essequibo desde a foz até grande distância
para o interior, dando bem a conhecer que a fronteira do Demerara
com o Brasil é o rio Rupununi”.
Em 1781, o Capitão de Fragata Antônio Pires da Silva
Pontes e o Capitão de Engenheiros Ricardo Franco de Almeida
Serra, membros da Comissão de Limites, exploraram a região
e estudaram as linhas limites a serem propostas. Outros demarcadores
que estiveram na área foram Eusébio Antônio de
Ribeiros, José Simões de Carvalho e Alexandre Rodrigues
Ferreira. Este, deixou uma memória chamada Tratado Histórico
do Rio Branco
- A presença inglesa na área
Somente em 1799 procuraram os ingleses estabelecer-se nas Guianas,
quando o governo inglês apoderou-se da Guiana Holandesa, que
foi restituída em 1801, mas retomada em 1803. Desta segunda
vez, os ingleses permaneceram por dez anos. Em 1814, os ingleses ocuparam
os estabelecimentos do Demerari, Essequibo e Berbice, e desses locais
apossaram-se definitivamente, com a aquiescência da Holanda.
A partir de 1782, quando foi extinto o Estado (Capitania) do Grão-Pará
e Rio Negro, o contencioso do Pirara passou diretamente para a Coroa
portuguesa através da sua colônia brasileira.
Em 1810 os ingleses subiram pela primeira vez o Essequibo. O Capitão
D. P. Simon, chefe da expedição, estava encarregado
de pacificar tribos indígenas que estavam em guerra. O naturalista
inglês John Hancock e o Tenente-Coronel D. Van Sirtema, acompanhavam
Simon. Desejosos de visitar o Forte de São Joquim, endereçaram
ao comandante uma carta solicitando permissão, em 22 de janeiro
de 1811, para a visita. Esta expedição foi encontrada
alguns dias depois por um Sub-oficial e dois soldados luso-brasileiros
em uma aldeia de índios na margem esquerda do Rupununi. O Sub-oficial
informou-os que estavam em território português, pelo
que a expedição britânica pôs-se em marcha
para o Rupununi, onde ficou aguardando a resposta da carta. Em 22
de fevereiro receberam os ingleses a autorização e os
dois oficiais mais o médico foram escoltados até o Forte.
Doze dias depois, Simon despedia-se do comandante do Forte de São
Joaquim e, escoltado por um destacamento português, retornou
a Demerari. Os outros, Van Sirtema e Hancock só deixaram o
Forte a 12 de maio, sendo escoltados por seis soldados e pelo Destacamento
do Pirara, este comandado por Pedro Ferreira Mariz Sarmento.
Estes detalhes são muito úteis, pois mostram que, desde
a primeira visita dos inglêses ao Rupununi e ao Pirara, os mesmos
encontraram estes destacamentos efetivamente ocupados pelos militares
pertencentes ao Comando Militar do Rio Branco.
Mas a questão só tomaria vulto a partir de 1835, quando
a Sociedade de Geografia de Londres (Royal Geographical Society of
London) incumbiu o explorador prussiano naturalizado inglês
Robert Hermann Schomburgk, acompanhado pelo irmão Moritz Richard,
de ir às Guianas e fixar os limites entre as possessões
inglesas e seus vizinhos. O passaporte para Schomburgk foi concedido
pelo Ministro do Brasil em Londres, a pedido do então Ministro
dos Negócios Estrangeiros da Inglaterra, Henry John Temple,
Lord Palmerston. Schomburgk fez três expedições
à Guiana. Na primeira, conforme Carolina Nabuco, ficou “encantado”
com a bela vila de Pirara, habitada pelos índios Macuxis, à
beira do lago Amucu. A última foi em 1838 quando ele, após
ter encontrado o Forte de São Joaquim e o Posto do Pirara sem
efetivos, já que os militares tinham acorrido ao interior para
combater a Cabanada, retornou à Inglaterra e recomendou a colocação
de marcos de posse nas embocaduras dos rios Mahú (Ireng) e
Tacutu. Em carta a um luminar da Royal Geographical Society chamado
Thomas Buxton, Schomburgk diz o seguinte: “A linha do divisor
de águas entre os rios que são tributários do
Essequibo, de um lado, e do Amazonas do outro, formaria sem dúvida
a fronteira mais natural...Mas ignora-se completamente que as possessões
dos portugueses e mais tarde dos brasileiros se tivessem estendido
a leste do Forte São Joaquim (grifo meu). Ora, nesse caso a
bandeira da Grã-Bretanha flutuou sobre Pirara antes da brasileira.
Arvoramo-la na praça da vila com todas as honras possíveis
por ocasião do aniversário do rei”.
Os marcos foram colocados, e possuem legendas de 25 de abril de 1842.
Conforme o Coronel Manoel Soriano Neto, Schomburgk, em relatórios
a Londres, dizia que a presença militar lusitana na região
era precária, quase inexistente. Sugeriu, inclusive, que a
Inglaterra deveria ocupar esses espaços 'vazios', mandando
demarcá-los para os domínios de sua majestade inglesa
e até de ocupá-los em caráter permanente. Nessa
demarcação, os britânicos estenderam, erradamente,
a linha extremo-oeste, que tinha de ficar limitada ao Rupununi, até
as margens do rio Cotingo, em toda a extensão deste. Esta linha
foi chamada de "Linha Schomburgk". Conforme o professor
Carlos A. Borges da Silva, da Universidade de Roraima: “A demarcação
das linhas de fronteiras havia empurrado Schomburgk para a esfera
política, não mais científica como na época
de suas primeiras expedições. Tanto que em 1841, o Governador
do Demerara enviou uma ordem para expulsar os brasileiros do Pirara,
e nomeou o Inspetor Geral de Polícia, William Crichton, que
trouxera uma carta ao Comandante Brasileiro de Fronteira, com ordem
expressa de abandonar o Pirara, sob argumento de ser um lugar ocupado
por tribos independentes. Para Joaquim Nabuco isso significava, “que
a tribo de índios independentes reclamava a proteção
da Grã-Bretanha”.
Essa preocupação com a proteção dos índios
já teria sido manifestada também por Hillhouse, que
falava dos grilhões, dos crimes e outras barbaridades cometidas
contra aqueles “que viviam melhor no estado de natureza selvagem”.
Destarte, a referência ao maltrato aos indígenas, será
muito usada pelos ingleses para justificar a Linha Schomburgk.. Pelo
menos é o que se verifica em Nabuco, em alguns trechos de suas
Memórias, e também entre os experts venezuelanos nomeados
em vários momentos para documentar a Questão Essequibo.
Foi com este argumento que Crichton escreveu a Light recomendando
fixar uma linha de fronteira entre os dois países, que deveria
seguir a cadeia de montanhas que separam as águas que correm
para o oceano Atlântico e as águas que correm para o
sul, para a bacia do Amazonas, e certos rios ou pequenos cursos d’água,
onde montanhas são interrompidas por savanas. Assim, em função
de uma dúvida sobre linha de fronteira, colocada pelos britânicos,
é que se iniciaram os contatos formais entre Grã-Bretanha
e Brasil, de um lado, e Grã-Bretanha e Venezuela de outro.
No dia 18 de março de 1840, Lord Palmerston propôs ao
Lord John Russell que se colocassem em prática as idéias
de Schomburgk sobre a linha de fronteira, e que cada governo: Brasil,
Venezuela e Guiana, oferecessem suas defesas e justificativas.
Conforme o Coronel Cláudio Moreira Bento, Presidente da Academia
de História Militar Terrestre do Brasil, em 1837 o diplomata
inglês Lord Palmerston declarava que o Forte São Joaquim
havia sempre sido considerado limite entre o Brasil e a Guiana. Nesta
ocasião teve início a manobra para espoliar a Planície
do Pirara do Brasil. Em 14 de fevereiro de 1842, ocorreu a ocupação
do Pirara por um destacamento inglês, comandado pelo Tenente
Bingham. A vila estava praticamente deserta.
- O Forte de São Joaquim
Sobre o Forte de São Joaquim do Rio Branco, afirma Cláudio
Moreira Bento, que o mesmo foi concluído em 1778, na confluência
e sobre a margem esquerda do rio Tacutu, ou seja, um ano após
o Tratado de Santo Ildefonso, celebrado entre Portugal e Espanha.
Em 1786 serviu de base de operações para o Engenheiro
Militar Coronel Manuel da Gama Lobo d’Almada, o qual havia sido
encarregado de levantar, mapear e organizar a defesa do Vale do Rio
Branco. O Forte São Joaquim foi desativado por volta de 1900.
Sua planta faz parte da mapoteca do Centro de Documentação
do Exército (CDocEx), Brasília, e é denominação
histórica do Comando de Fronteira de Roraima/7º Batalhão
de Infantaria de Selva (CFR/7º BIS) - Forte São
Joaquim do Rio Branco, Boa Vista.
- Manuel da Gama Lobo d’Almada
O Brasil deve a este engenheiro militar, demarcador e geógrafo
a nova política da qual resultou a integração
definitiva da região de Roraima ao mundo luso-brasileiro, com
a fundação de fazendas de gado. Essas fazendas chamaram-se
São Bento, São José e São Marcos. Em 1818,
o rebanho de gado bovino chegava a 4.347. Lobo d’Almada deixou
a memória intitulada Descrição relativa ao Rio
Branco e seu território. Este militar destacava-se pela sua
liderança através do exemplo, o qual assim justificava:
“Eu mesmo vou pessoalmente a todas as expedições.
Não permito que os meus companheiros passem por trabalhos ou
perigos em que eu não seja o primeiro a dar-lhes o exemplo”.
Neste caso, a justificativa de d’Almada lembra a valorosa atitude
do Gen Heleno, atual Comandante Militar da Amazônia, ao denunciar
a política do governo na área. Um dos lemas mais significativos
de Lobo d”Almada era o seguinte:
“Todo sangue que corre a serviço da Pátria é
nobre!”
- A cobiça inglesa
Em junho de 1838, um missionário anglicano de nome Thomas
Youd chegou até a aldeia brasileira no Pirara e instalou-se
um pouco mais acima, criando uma missão religiosa entre os
rios Pirara e Moneca, à margem esquerda do Guatatá.
Atraiu para o local alguns ingleses, que se misturaram com os índios
e com brancos que ali já estavam instalados. Esse conglomerado
recebeu o nome de Forte de Nova Guiné. Foi necessário
que o Comandante do Forte São Joaquim, Capitão Ambrósio
Aires, acompanhado pelo Frei José dos Santos Inocente, cumprindo
ordens do Presidente da Província do Pará, General Soares
de Andréia, fossem até a presença do audacioso
missionário e o intimidasse a deixar o território onde
estava instalado, pois ali era território brasileiro. Youd
deixou a região, mas levou consigo os índios já
catequizados. Em 1840, foi publicada em Londres a obra Uma descrição
da Guiana Britânica, que modificava a fronteira em prejuízo
do Brasil. Na época, as relações diplomáticas
entre o Brasil e a Inglaterra eram frágeis.
- A reação à demarcação
Contra a demarcação arbitrária, o Brasil protestou
energicamente. O Presidente do Pará despachou um oficial do
Exército, o Capitão José de Barros Leal, acompanhado
por um único soldado e por um missionário católico,
para efetuar a ocupação permanente da vila de Pirara.
As tropas inglesas foram retiradas e os marcos colocados por Schomburgk
também, mas permaneceram as dúvidas sobre os verdadeiros
limites. Em seguida, os ingleses fizeram nova investida, desta vez
de fixação na Ilha Camaçari, junto ao Pirara.
O governo brasileiro protestou e a região foi, de comum acordo,
declarada sub nullius jurisdiccionis (sob jurisdição
nula). Sob o argumento britânico de o território ser
ocupado por tribos independentes que reclamavam a proteção
inglesa, o Brasil reconheceu provisoriamente a neutralidade da área
em litígio e retirou seus funcionários e o destacamento
militar, com a condição de que as tribos continuassem
independentes. O Império cumpriu religiosamente essa neutralidade,
o mesmo não acontecendo com a Inglaterra, que a desrespeitava
ostensivamente. Conforme Pedro Calmon “A questão tornou-se
subitamente grave, com o erro das autoridades brasileiras, de não
se estenderem para leste do Forte de São Joaquim, nele se conservando,
porque era a baliza, solidamente estratégica, a velar pela
comunicação natural do Rio Branco com o Amazonas -
erro que permitiu a incursão do estrangeiro, de bandeira arvorada”.
Ainda conforme Calmon, essa ocupação “de fato”,
a despeito da documentação, foi fatal ao direito do
Brasil. Registra, também, um comentário do Barão
do Rio Branco, sobre o caso: “o nosso direito não era
tão fácil provar nesse caso quanto no caso das Missões
e do Amapá”. Ou seja, a posse, precedendo ao litígio,
foi decisiva. Na década de 1885, o Ministro de Estrangeiros
da Inglaterra, Robert Arthur Gayscone-Cecil, Lord Salisbury, teria
dito a Joaquim Nabuco referindo-se, com desprezo, ao Pirara como “Uma
região em que não existe uma vaca”. Em 1896, o
governador do Amazonas, Dr. Eduardo Gonçalves Ribeiro e o Senado
Federal exigiram providências do Presidente Prudente José
de Morais Barros. Em 1898, o Ministro das Relações Exteriores
do Brasil, General Dionísio Evangelista de Castro Cerqueira,
protestou junto à Rainha Vitória contra a decisão
do Tribunal Anglo-Venezuelano que traçou os limites Venezuela-Guiana
por sobre território do Brasil.
- O Tratado de Arbitramento
A 07 de novembro de 1901, assinava-se em Londres o Tratado de Arbitramento
para a fixação das fronteiras entre o Brasil e a Guiana
Inglesa, tendo sido convidado como árbitro o jovem Rei da Itália,
Vittorio Emmanuele III, o qual aceitou a missão. O arbitramento
foi negociado pelo Ministro de Estado das Relações Exteriores,
General Dionísio Cerqueira, que era conhecido pela sua experiência
de explorador exaustivo dos confins amazônicos. Conforme Pedro
Calmon, inicialmente pensou-se no Grão-Duque de Baden, Frederico
Guilherme Luís (Frederico I), mas o Rei da Itália era
“...mais inclinado ao poderio inglês do que à simpatia
americana”. Sobre isso opina o historiador Dr. Corálio
Cabeda:
Vitorio Emmanuele III reinava sobre uma Itália há pouco
reunificada, com inimigos à volta (Império Austro-Húngaro)
e com ele disputando territórios (Tirol do Sul, Vêneto,
Fiume, Udine, Dalmácia, etc.). Logicamente tinha necessidade
de aliados poderosos. E quem melhor do que a Inglaterra, à
época a incontestável Rainha dos Mares e dona do maior
império colonial do planeta? Vai daí que o rei italiano,
árbitro escolhido pelas partes, deu à Inglaterra vitoriana
um belo naco do nosso território. O Schomburgk já tinha
feito a sua parte, como hoje as ONGs também fazem.
Rei de 1900 a 1946, Vittorio Emmanuele III nasceu em 11 de Novembro
de 1869 em Nápoles, vindo a falecer em 28 de Dezembro de 1947
em Alexandria (Egito). Neto de Vítor Emanuel II, rei da Sardenha
e da Itália, ascendeu ao trono italiano após o assassinato
do pai, Humberto I. Reinou na Itália até 1946, inclusive
durante a guerra. Abdicou em favor de seu filho Humberto II, que reinou
efêmeros 35 dias (09Mai/13Jun46), quando abdicou depois de um
referendo favorável à república, aprovado por
um plebiscito. Foi o último monarca da Itália. Vittorio
Emmanuele, ao ser assinado o Tratado de Arbitramento, tinha somente
32 anos de idade. O Tratado de Arbitramento estabelecia como território
em litígio a área “entre o Tacutu e o Cotingo
e uma linha tirada da nascente do Cotingo para leste, acompanhando
o divisor das águas até um ponto próximo ao Monte
Ayangeanna; daí para o sudeste, seguindo ainda a direção
geral do divisor de águas, até o Monte Anaí,
daí pelo seu tributário mais próximo até
o Rupununi, subindo este rio até a nascente e dela atravessando
a encontrar a nascente do Tacutu”.
Joaquim Nabuco fez uma larga e magnífica exposição
histórica, mostrando a posse e domínio dos rios Amazonas,
Negro e Branco, a cuja bacia pertence o território então
pretendido. O Brasil defendia três títulos:
- O 1º, era a ocupação portuguesa do Amazonas
que, desde o século XVII, estendeu-se além da confluência
do Rio Negro, do qual o Branco é tributário;
- O 2º, referente aos territórios do Rio Branco, era
o domínio do Negro, do qual o Branco é afluente; e
- O 3º, era a posse do Rio Branco pela Coroa portuguesa, posse
esta que não precisava de prova, como não necessitava
de prova a posse do Amazonas e também a do Negro.
No pleito, Joaquim Nabuco utilizou dois princípios básicos:
o da doutrina do divisor de águas (watershed-line) e o do direito
de propriedade mesmo esporádica (inchoate-title), pretendendo
suprir o árbitro de provas decisivas, capazes de levá-lo
à convicção. Para isto reuniu, de forma ordenada,
sistemática e lógica, documentos de natureza histórica,
diplomática e cartográfica. Procurou valorizar, teorizar
e transformar em título jurídico de soberania o documento
cartográfico. Ao final do seu texto, Nabuco conclui dizendo:
“O Brasil sustenta que a Inglaterra não tem direito algum
a atravessar o Rupununi e a estabelecer-se na bacia do Amazonas”.
Apesar dos bem redigidos e abundantes documentos e mapas, o rei italiano
declarou “não achar elementos para decidir qual era o
direito preponderante”. E assim, mesmo depois de brilhantíssima
defesa dos interesses brasileiros pelo Dr. Joaquim Nabuco, Vittorio
Emmanuele proferiu, em 14 de junho de 1904, seu laudo arbitral, verdadeira
sentença de Salomão, fazendo entregar 19.630 Km2 à
Inglaterra e 13.370 ao Brasil, dos 32.000 em litígio. Fez esta
divisão segundo uma linha que vai do Monte Yakontiput até
à nascente do Rio Mahú, desce por este rio até
a sua confluência com o Tacutú, e segue o curso do Tacutú
até a nascente, onde se prende à linha oriental fixada
em 1901.
É conveniente colocar que a fronteira foi levemente modificada
em 1908, porque o Rio Cotingo não sai do Monte Yakontiput e
sim do Monte Roraima. Entre estes dois montes, a fronteira passa,
hoje, pela linha dos mais altos cumes. A arbitragem atribuiu assim,
à Inglaterra, o território entre os rios Mahú-Tacutú
e o Rupununi, consagrando a usurpação de 1840, desprezando
o divisor de águas - a Serra de Pacaraima - e,
principalmente, trouxe o domínio britânico às
ribanceiras do Tacutú, o que significou abrir aos ingleses
o Rio Branco e, através deste, o acesso ao Amazonas. Em contrapartida,
negou à Inglaterra o limite pelo rio Cotingo, recuando-o até
o Mahú, procurando assim equilibrar o resultado.
Joaquim Nabuco, após o laudo arbitral, defendeu o árbitro,
sustentando que Vittorio Emmanuele quis “contentar as duas partes,
dividindo o contestado”.
Conforme Calmon: ...disfarçou Nabuco o insucesso, consolando-se
com este pensamento salomônico: “Em tais circunstâncias,
folgo de ter recuperado para nós o trecho que mais nos convinha”.
Em verdade, nunca se refez deste desgosto, que o surpreendeu, depois
de ter empenhado admiráveis esforços na defesa de sua
causa. A chancelaria brasileira tinha ganho, pouco antes, o seu mais
ruidoso triunfo, o Acre.
A nossa fronteira com a Guiana se desenvolve por 1.606 Km, dos quais
816 em vertentes e 790 em cursos d’água. O relevo, inicialmente
elevado, constituindo as culminâncias do Planalto Guiano, com
representações como a do Monte Roraima, perde altura
abruptamente, chegando à larga depressão do Tacutu-Rupununi,
onde as cotas de 200 metros predominam. A partir do Monte Uamuriactaua
o relevo ganha altitude novamente, atingindo 1.000 metros na Serra
de Acari, e a linha de crista de cotas entre 400 e 600 metros prossegue,
servindo de divisória entre os dois países. Duas províncias
guianenses lindam com o Brasil: Essequibo e Berbice. A principal atividade
econômica da área NE de Roraima é a criação
extensiva de gado bovino, mas está cedendo terreno para a orizicultura.
A área de Roraima é de 230.104 Km2 (2,7% da área
do Brasil). Na criação do Território em 1937,
o espírito que norteou os legisladores e o governo foi, além
das considerações de ordem administrativa, a melhor
vigilância das fronteiras do país.
As fronteiras físicas estão definidas e demarcadas.
O mesmo não acontece com as fronteiras humanas.
- A Reserva indígena Raposa Serra do Sol
Conforme o Dr. Jorge Babot Miranda, a Reserva Indígena Raposa
Serra do Sol situa-se no nordeste do Estado de Roraima, na fronteira
com a Guiana e a Venezuela. Tem 1.678.000 hectares de área,
conforme a Portaria 820/98 do Ministério da Justiça,
que declara a terra indígena Raposa Serra do Sol posse tradicional
e permanente dos povos indígenas que lá habitam, excluindo
as áreas de instalação do 6º Pelotão
Especial de Fronteira, e reconhecendo a unidade administrativa de
Uiramutã.
A homologação da área da terra indígena
Raposa Serra do Sol, pelo Governo Federal, tem sido uma das mais tumultuadas,
em face dos interesses em jogo naquela região: índios
de um lado e de outro fazendeiros, plantadores de arroz e garimpeiros
de ouro, além dos núcleos populacionais existentes dentro
da área, com cerca de 665 pessoas distribuídas em cinco
vilas (Surumu, Água Fria, Uiramutã, Socó e Mutum).
Além disso, há cerca de 67 núcleos rurais dentro
da reserva. O total de índios não é grande. A
superfície da área é de 1.751 milhão de
hectares. Raposa Serra do Sol é a 13ª maior área
indígena do Brasil e a 12ª da região norte, ficando
atrás de terras como o Parque Indígena do Xingu, em
Mato Grosso e a Vale do Javari e Alto Rio Negro, ambas no Amazonas.
O primeiro ato administrativo de demarcação do território
Macuxi data de 1917, quando o então Estado do Amazonas, através
da Lei Estadual nº 941, de 16Out17, delimitava a faixa de terra
entre os rios Contigo e Surumá, para a ocupação
e usufruto dos índios da região. Em 1919, o Serviço
de Proteção ao índio (SPI) chegou a iniciar a
demarcação física da área, mas sem efeitos
concretos, pois as terras continuavam a ser invadidas por fazendeiros
nos anos seguintes (Conselho Indígena de Roraima), in Boletim
do CMI - Brasil - 01/0602003).
A população indígena da Raposa Serra do Sol
é de 14.719 índios (dados de 2005), que vivem em 148
aldeias distribuídas pelo território. A terra indígena
Raposa Serra do Sol é habitação ancestral dos
povos Macuxi, Wapichama, Ingariko, Taurepang e Patamona. Do primeiro
ato administrativo da demarcação, em 1917, em que o
Estado do Amazonas delimitava a faixa de terras, até a data
da Portaria 820, de 11Dez98, deu muitos problemas de ordem administrativa
e jurídica, que perturbam a homologação da área
pelo Governo Federal.
É oportuno comentar o trabalho do deputado Lindenbergh Farias,
do PT do RJ, como relator de uma Comissão Especial da Câmara
de Deputados, para verificação in loco dos conflitos
decorrentes do anúncio da homologação da Reserva
Raposa Serra do Sol, e que nos oferece as seguintes considerações,
em artigo intitulado “A Guerra na Floresta”, publicado
em O Globo, de 22/04/04: “De um lado, os 12 mil índios
Macuxi que legitimamente reivindicam o direito à terra que
pertenceu aos seus antepassados e que defendem a homologação
da reserva em área contínua, num território de
cerca de 1,7 milhão de hectares, numa região de fronteira
com a Guiana e a Venezuela. De outro, estão fazendeiros, não-índios,
moradores no município de Uiramutã e também de
7 mil índios de seis etnias que vivem e produzem naquelas terras
e são contrários à demarcação em
terras contínuas. Em comum, apenas uma certeza: a de que a
homologação será decisiva para os destinos de
todos eles. Demarcada há oito anos, mas não homologada
devido aos conflitos que a envolvem, a reserva corresponde a cerca
de 8% do território total de Roraima. Estado paupérrimo,
criado há apenas 15 anos e que tem 46,17% de sua área
em terras indígenas. Do que resta, apenas 7,2% são cultiváveis,
segundo a EMBRAPA.
A área compreendida pela reserva indígena Raposa Serra
do Sol é particularmente problemática, porque estão
ali concentradas as terras mais produtivas do Estado, com lavouras
de arroz, que responde por 60% da produção agrícola
local e por 10,25% do PIB de Roraima. Além disso, a região
é rica em minérios e pedras preciosas, sem contar a
biodiversidade, cujos benefícios econômicos ainda são
desconhecidos.
O fato é que a homologação da reserva em área
contínua, como defende a FUNAI, o Ministério da Justiça,
a Igreja e ONGs, boa parte das quais estrangeiras, é vista
como um entrave para o desenvolvimento do Estado.
Numa terceira ponta estão ainda as Forças Armadas que,
não sem razão, temem que a faixa de 15 Km de fronteira
com a Venezuela e a Guiana, dentro da reserva, tornem o país
vulnerável a atividades ilegais, como contrabando, narcotráfico,
biopirataria, etc. Uma questão de segurança nacional
que muitos consideram paranóia nacionalista, mas que não
deve ser desprezada”.
A Câmara dos Deputados (relatório Lindenbergh Farias)
e o Senado Federal, por sua comissão própria, presidida
pelo Senador Delcídio Amaral, do PT do Mato Grosso do Sul,
propõem pontos comuns para a solução do problema,
tais como:
- uma nova identificação das terras indígenas;
- retirar das terras indígenas as áreas cujo aproveitamento
é fundamental para a economia do Estado;
- rejeitar das terras indígenas uma faixa de 15 Km ao longo
da fronteira do Brasil com a Guiana e a Venezuela, cuja extensão
é de cerca de 503 km;
- retirar da terra indígena as franjas correspondentes às
áreas de plantio;
- retirar a sede do município de Uiramutã e das vilas
de Água Fria, Socó, Vila Pereira e Mutum (sic) e as
respectivas zonas de expansão; e
- retirar as estradas estaduais e federais na área, permitindo-se
o livre trânsito nas referidas vilas.
A solução do problema, como se vê, é difícil,
tais os interesses em jogo. As áreas indígenas ocupam
hoje mais de 10% do território nacional, com uma população
indígena estimada em 390.000 índios, dos quais a metade
vive fora das reservas (CIMI). José Armando Falcão,
em artigo de O Globo, edição de 22/04/04, cujo texto
é de muito interesse para a solução do problema,
intitulado “Esqueceram da soberania nacional”, afirma
que, apesar de ser relativamente pequena a quantidade de indígenas,
o problema é a ameaça que algumas reservas - principalmente
aquelas situadas em áreas de fronteira - representam
para a soberania nacional e a para a integridade territorial brasileira.
Não há como abordar o problema sem antes analisar a
situação de tais reservas.
Há intensa controvérsia sobre a nova e enorme reserva
que o Governo Federal quer estabelecer em Roraima, em área
de fronteira. Já ocorreram bloqueios de estradas, declarações
do Governador, decisões do Ministro da Justiça, ameaça
de confronto, etc. Entretanto, toda essa polêmica se restringe
ao fato de essa nova reserva obrigar a retirada de centenas de não-índios
ali instalados, com suas conseqüências. Em nenhum momento
se trata do grande problema aí implícito: a vulnerabilidade
da soberania brasileira. Tal silêncio parte de uma falta de
precisão irresponsável ou de deliberada solidariedade
à autonomia indígena, ambas nocivas ao Brasil.
Outra opinião judiciosa é a de Salomão Cruz,
ex-vice-governador de Roraima e geólogo de profissão,
e de Haroldo Amoras, professor de Economia da Universidade Federal
de Roraima, em artigo conjunto, publicado pela Folha de São
Paulo de 20/01/04, intitulado “Pelo respeito ao desejo dos índios”.
Na área em questão, dizem eles, há uma população
de aproximadamente 20 mil habitantes (2004) - índios
e não índios - que coexistem há mais de
dois séculos. São sete núcleos urbanos e centenas
de ocupações rurais, representando investimentos públicos
e privados de milhões de reais.
As 207 ditas “fazendas”, cadastradas pela FUNAI, muitas
com títulos de propriedade emitidos pelo Governo Federal, à
exceção de oito, com rebanhos bovinos acima de mil animais,
possuem, em média, 250 animais. São criatórios
extensivos, formados por agentes econômicos de origem proletária,
financiados por excedentes físicos gerados na abundância
do fator terra e pela mão-de-obra indígena. Isso é
uma realidade específica e incontestável da formação
sócio-econômica local. Os fazendeiros da região,
na verdade, são retirantes de origem nordestina, muitos aqui
chegados no “boom” da exploração do látex
amazônico, ou mestiços ali nascidos e seus descendentes.
Na realidade, os “capitalistas” são os produtores
de arroz, que desde 1985 produzem em 115 mil hectares de várzeas,
com uma das maiores produtividades brasileiras e são responsáveis
pela única atividade agroindustrial efetivamente competitiva
em Roraima. Como se vê, o problema da homologação
da área é de difícil solução, tais
os interesses em jogo. O direito do índio à terra é
indiscutível. Os critérios e parâmetros para definir
o tamanho dessas propriedades é que são discutíveis.
A sociedade de Roraima, como afirmam Salomão Cruz e Haroldo
Amoras, no artigo citado, apóia a demarcação
da reserva indígena e isso é essencial. A polêmica
nasce dos critérios utilizados, que são os mesmos na
demarcação da área yanomâmi - índios
que vivem ainda no período paleolítico, e isolados,
diferentes dos irmãos que vivem na área Raposa Serra
do Sol, cujas comunidades integram, de forma permanente e contínua,
com o restante da sociedade há mais de dois séculos.
Para isso, a maioria dos índios ali residentes teme o isolamento
e não quer a involução - para usar uma
expressão das próprias lideranças indígenas,
contrárias à demarcação na forma proposta.
Em face de divergências de toda ordem, o Governo Federal tem
tido muita cautela para uma decisão definitiva. Esperamos que
em um futuro próximo tenhamos uma solução que
agrade gregos e troianos. É difícil; vamos, no entanto,
esperar. Este capítulo já estava escrito quando o Presidente
da República, em 14/04/2005, homologou essa área como
terra indígena. Essa homologação, por certo,
não agradou a todos; exclui da área indígena
a sede de Uiramutã (2,7 mil hectares), postos de saúde,
escolas, a sede do 6º Pel Esp Fron, as linhas de transmissão
de energia e os leitos das rodovias estaduais e federais que passam
pela terra indígena. Fazendas, arrozais e outras ocupações
hoje existentes na área passarão a fazer parte da terra
indígena, sendo posteriormente indenizados os proprietários
pelo Governo Federal, para se afastarem da área, agora homologada.
Mais uma vez, cresce a expectativa do autor para um final feliz, já
que decorrem mais de 20 anos de conflitos naquela região.
- Conclusões
A região da Questão do Pirara e a da Raposa Serra
do Sol são coincidentes. O Pirara está contido na Raposa
Serra do Sol. As fronteiras externas são com a Guiana, ao norte
e nordeste, e com a Venezuela, a noroeste. Daí a importância
de se analisar o desenvolvimento da primeira questão, formular
hipóteses e tirar conclusões. Não há dúvida
sobre o interesse estrangeiro na área.
Entre 1998 e 2004, o STF anulou as reservas em terras contínuas.
Já no governo Luís Inácio, a 13 de abril de 2005,
Portaria do Ministério da Justiça (Ministro Márcio
Thomaz Bastos) autoriza reservas indígenas em terras contínuas.
No dia seguinte, 14 de abril, foram extintas as ações
legais de fazendeiros contra as terras contínuas. Finalmente,
no dia seguinte, 15 de abril, um Decreto do Executivo homologa as
reservas em terras contínuas.
- Em 2008, começaram as reações contra essa
situação, resultando em ação judicial
que está em curso no STF e deverá ser julgada neste
2º semestre de 2008.
- Por outro lado, em junho, dois índios da Raposa Serra do
Sol iniciaram viagem pela Europa, incluindo Portugal, Espanha, França,
Bélgica, Itália, Vaticano e Reino Unido, buscando apoio
à demarcação de reservas indígenas em
terras contínuas. Essa viagem foi financiada por ONGs estrangeiras
e pela Igreja Católica.
- Os elementos em jogo são os seguintes, entre outros: os
índios; os arrozeiros; as ONGs brasileiras; as ONGs estrangeiras;
as Forças Armadas; a Polícia Federal; a FUNAI; os contrabandistas;
os garimpeiros; os missionários; a presença inglesa
através da Guiana; a presença venezuelana e seu contencioso
com a Guiana; o Conselho Mundial das Igrejas Cristãs e as autoridades
locais.
- A Venezuela tem com a Guiana um contencioso nada desprezível.
É a chamada Questão do Essequibo. Em 1899, através
do Laudo Arbitral de Paris, a Venezuela perdeu o Essequibo para a
Inglaterra.
- Conforme o Coronel Hiram Reis e Silva, amazônida, professor
do Colégio Militar de Porto Alegre e membro da Academia de
História Militar Terrestre do Brasil: “A Venezuela não
aceitou a sugestão britânica sobre uma Comissão
mista que estudaria um plano de desenvolvimento econômico para
a Guiana Britânica, de 1966 a 1972, somado a um projeto de cooperação
econômica entre os dois países que renunciariam, por
30 anos, às reclamações por demandas territoriais.
Não aceitando, a Venezuela propôs um congelamento por
um prazo de 10 anos e que um ano antes de esgotado este interregno,
fosse submetido à arbitragem. O resultado da proposta britânica
e venezuelana originou o ‘Acordo de Genebra’ firmado em
17 de fevereiro de 1966. O Acordo tentava encontrar uma solução
através de uma comissão mista de limites, que teria
um prazo de quatro anos para encontrar uma saída adequada à
disputa territorial. Após esse prazo, se não houvesse
uma solução de consenso, o fórum decisório
seria as Nações Unidas”.
- Quanto ao Brasil, as Forças Armadas estão presentes
na área como sempre estiveram, principalmente o Exército,
mas sem fazer parte do problema e sim para resolvê-lo. Não
há outra instituição capaz de resolver a questão
principal, fazendo cumprir as resoluções tomadas pelo
Executivo e pelo Judiciário e mantendo a ordem. A presença
do Estado é fraca, exceto pela força federal.
- É fato que tropas britânicas treinam, atualmente,
para Guerra na Selva, na Guiana, inclusive fazendo incursões
noturnas em vilarejos brasileiros na fronteira.
- Qualquer que seja a decisão do STF os problemas continuarão,
na medida em que são de difícil solução,
ou seja, a questão não se encerra no âmbito do
STF, mas sim, inicia-se uma nova e crítica fase.
- Qual é a questão crucial? Parece ser a homologação
da reserva indígena de forma contínua, ou descontínua.
Esta decisão está na área do Supremo Tribunal
Federal. A questão extrapola as fronteiras, já que a
pretensa tese das tribos independentes continua e a Inglaterra coloca-se
como protetora dos índios. Mas, na verdade, os interesses são
outros, passando pela homologação das terras contínuas.
- Existe também um grande perigo em relação
à Declaração Universal dos Direitos dos Povos
Indígenas, da ONU, de 2007, aprovada com o inexplicável
voto do Brasil. Tal Declaração, que confere um status
de autonomia e de auto-determinação aos índios,
caso seja aprovada no Congresso, por 3/5 em cada Casa, e em duas votações,
terá força de Constituição, mercê
da Emenda Constitucional n° 45/2004. E isso é tão
ou mais importante do que a Decisão do STF acerca da demarcação,
se contínua ou não. Pois mesmo que a área seja
restringida, as reservas continuarão a existir e nelas poderão
surgir 226 "Nações Indígenas", com
enormes prejuízos à Soberania Nacional, caso o Congresso
aprove, na forma como está prevista na EC 45/2004 (o que já
foi agregado à CF/88, em seus §§ 3° e 4°,
do artigo 5°), a lesiva e anti-patriótica Declaração
Universal dos Direitos dos Povos Indígenas.
- O índio não-aculturado, em geral, não entende
conceitos como soberania, patriotismo, nacionalidade, etc, além
de ser suscetível a quem lhe apresentar vantagens.
As seguintes frases foram pronunciadas há pouco tempo:
- "Se o Supremo decidir contra os índios, vamos reunir
cinco mil guerreiros e fazer a desocupação de nossa
terra na marra" (Edson Alves Macuxi, do CIR).
- "Se os fazendeiros e políticos conseguirem roubar a
Reserva Raposa Serra do Sol dos índios, isso abrirá
um precedente perigoso para todas as tribos brasileiras. Não
podemos deixar que isso ocorra" (Stephen Corry, diretor da Survival-International).
- "Mesmo se a demarcação for revista pelo STF,
os índios vão retirar os produtores de arroz da área"
(Martinho Macuxi Souza, líder indígena).
- "Tudo indica que o Supremo vai tomar a decisão de retirar
os invasores. Vamos até o fim para defender nosso direito.
Se o STF decidir pelo lado dos terroristas, vamos fazer uma retomada
das áreas. Vamos bloquear três estradas que dão
acesso para a Guiana, para a Venezuela e para a Amazônia, em
Manaus" (Jecinaldo Barbosa Cabral).
- A ameaça à soberania brasileira vem das ONGs, verdadeiras
representantes de governos estrangeiros que cobiçam a região,
provavelmente pela existência, no sub-solo, de minerais raros
e/ou estratégicos, como nióbio, tântalo, urânio,
tório, alumínio, titânio, além do ouro
e diamantes. O sub-solo é propriedade do Estado, conforme reza
a Constituição.
Em suma, reservas descontínuas e maciça presença
do Estado.
- A utilização do Projeto Rondon como instrumento para
vivificar a fronteira e marcar a presença do Estado é
uma excelente alternativa.
(*) O autor é acadêmico, Vice-Presidente e Delegado
da Academia de História Militar Terrestre do Brasil e do Instituto
de História e Tradições do Rio Grande do Sul
para o RS. É professor de História do CMPA. ([email protected])