Audiência concilia apoios para a inclusão das parteiras
no SUS
Projeto da deputada Janete Capiberibe quer reconhecimento da profissão
Brasília,
14/11/2007 - A regulamentação da profissão
de parteira tradicional pode tornar visível uma das “partes
invisíveis” do Sistema Único de Saúde (SUS).
A opinião é da diretora-adjunta do Departamento de Ações
Programáticas Estratégicas da Secretaria de Atenção
à Saúde do Ministério da Saúde, Lena Peres,
na audiência pública da Câmara dos Deputados que
discutiu o projeto de lei 2.145/2007, da deputada federal Janete Capiberibe
(PSB/AP), que regulamenta a profissão das parteiras tradicionais.
A diretora, que participou ontem de audiência pública promovida
pelas comissões da Amazônia, de Integração
Nacional e de Desenvolvimento Regional; de Seguridade Social e Família;
e de Direitos Humanos e Minorias, citou o termo do ministro da Saúde,
José Gomes Temporão. Lena Peres explicou que o ministério
já tem um programa de qualificação e articulação
das parteiras tradicionais com as equipes médicas do SUS. Ela
explicou que a intenção é proporcionar um parto
mais seguro e humanizado.
Capacitação
Autora do projeto para a regulamentação da proposta de
regulamentação, o PL 2145/07, a deputada Janete Capiberibe
(PSB-AP) foi responsável por um programa de organização
de capacitação de parteiras em seu estado, quando seu
marido, o ex-senador João Capiberibe, foi governador, entre 1995
e 2001. Ela afirmou que “é preciso juntar a sabedoria tradicional
e o alcance que as parteiras têm nos locais atualizar mais longínquos
do País com os conhecimentos técnicos sobre doenças
sexualmente transmissíveis, testes para a detecção
precoce de doenças e sobre contaminação”.
A presidente da ONG Cais do Parto, de Recife, a parteira Suely Carvalho,
afirmou que há regiões do País, como a Zona da
Mata Sul, em Pernambuco, onde 100% dos partos são feitos por
parteiras, mas mesmo nas zonas urbanas o parto domiciliar ainda persiste,
não só em culturas tradicionais, como as indígenas.
Ela avalia que a prática é comum em cerca de 10% dos nascimentos
no País, cerca de 300 mil partos por ano.
Mas as parteiras, em geral, afirmou, não recebem mais do que
um agradecimento pelo trabalho que, muitas vezes, começa meses
antes e se estende até por uma semana depois do parto, até
no cuidados dos outros filhos enquanto a mãe não tem condições
de fazê-lo.
Reconhecimento
O deputado Henrique Afonso (PT-AC) afirmou que é hora de o País
reconhecer sua dívida com essas 60 mil pessoas que exercem a
profissão de parteira, 45 mil delas nas regiões Norte
e Nordeste. Ele lembrou a importância da soma entre o conhecimento
acadêmico e o tradicional, experiência que começa
a ser realizada pela Universidade da Floresta. Também autor para
a realização da audiência, o deputado Pastor Manoel
Ferreira (PTB-RJ) afirmou que a proposta de regulamentação
além de reconhecer os direitos das parteiras, ainda permite que
exerçam a profissão com mais dignidade.
Deputada espera votação da matéria em 2008
Alguns dos participantes da audiência sugeriram alterações
nos dois projetos de lei que tratam do tema. A deputada Janete Capiberibe
(PSB-AP), uma das autoras do requerimento para a audiência, afirmou
que os deputados vão tentar juntar projetos e sugestões
em uma única proposta que seja o melhor possível e possa
virar lei até o fim de 2008.
Lena Peres, do Ministério da Saúde, afirmou, com relação
ao PL 2145/07, da deputada Janete Capiberibe, sugeriu que o artigo 2.º
detalhe a assistência a ser prestada pela parteira à gestante.
Ela acredita que o principal objetivo é o encaminhamento à
unidade de saúde e da melhor escolha de como deve ser o parto.
Para ela, o curso para o reconhecimento como parteira não pode
ser de formação, já que elas já têm
esse conhecimento, mas de qualificação. Além disso,
defendeu o curso como sugestão, não como requisito.
Residência
Lena
Peres disse também que muitas vezes a parteira atende pacientes
em locais distantes por motivos diversos, o que torna a exigência
de que ela more perto das áreas onde atuam muito rígida.
Na avaliação da antropóloga Soraya Fleischer,
do Centro Feminista de Estudos e Assessoria (Cfemea), acredita que o
parágrafo do artigo segundo, pode causar impedimentos. O parágrafo
a que ela se referiu diz que as atribuições das parteiras,
dentro das unidades de saúde, serão realizadas sob a supervisão
de médico ou enfermeiro e, fora delas, “sempre que possível,
sob supervisão de profissional de saúde.
Ela explicou que, além de muitos locais não contarem
com profissionais de saúde disponíveis, muitas secretarias
de saúde que são contra a atuação das parteiras,
podem usar isso para impedir sua atuação.
Juramento
O
deputado Dr. Nechar (PV-SP) afirmou que, inicialmente seria contrário
à proposta, até descobrir que ele mesmo nasceu de parteira,
como quase todos os parlamentares que participaram da audiência.
“Aí eu comecei a pensar nesse Brasil continental e suas
diversas realidades e sei que, às vezes, a experiência
é muito maior do que a tecnologia”, disse. Nechar disse
que é favorável ao reconhecimento da profissão
e sugeriu que as propostas incluam o juramento profissional de salvar
vidas.
A gerente da área de saúde indígena da Fundação
Nacional de Saúde (Funasa), Luciana Ferreira, advertiu que é
preciso ser muito cuidadoso em relação às comunidades
indígenas. Ela afirmou que a profissionalização,
um conceito do branco, estranho às comunidades, pode causar problemas
dentro dessa população. Segundo ela, isso pode até
excluir processos culturais milenares. “O próprio parto
é uma atividade comunitária em algumas culturas e determinar
uma única profissional para fazê-lo pode destruir esse
sistema”, ponderou.
A parteira amapaense Maria Luiza Dias relatou a experiência no
estado do Amapá implantada durante o governo do Desenvolvimento
Sustentável pelo projeto Parteiras Tradicionais. Ela contou do
medo para ir à primeira reunião, no Palácio do
Setentrião, por causa da perseguição que sofriam.
Apenas 68 parteiras foram à reunião. Cinco anos depois,
1,3 mil parteiras participavam do programa. Elas recebiam cursos de
capacitação, kits parteira e ajuda de custo, financiados
pelo Governo do Desenvolvimento Sustentável. Uma Casa de Parto
recebia parturientes e parteiras como se estivessem em sua própria
casa, contou Maria Luiza. “Agradecemos à deputada Janete
pela segurança, pela auto-estima, pela cidadania que nos deu.
Quero parabenizar por resgatar nossa profissão por que todo mundo
vivia escondido, cada um por si e Deus por todos, e agora estamos juntas,
organizadas, para buscar nossos direitos”. Ela arrematou com a
reivindicação de todas as parteiras tradicionais. “As
parteiras exigem do Estado os direitos das parteiras e a regularização
dos direitos das parteiras tradicionais”.
Sizan Luis Esberci e Vania Alves (Agência Câmara)