Deusa da corte
O juiz é superior a qualquer ser material, diz juíza
por Aline Pinheiro
Advogados costumam dizer que há juízes que pensam que
são deuses e juízes que têm certeza. É o
caso da juíza Adriana Sette da Rocha Raposo, titular da Vara
do Trabalho de Santa Rita, na Paraíba.
Nas palavras da juíza: "A liberdade de decisão e
a consciência interior situam o juiz dentro do mundo, em um lugar
especial que o converte em um ser absoluto e incomparavelmente superior
a qualquer outro ser material".
A consideração sobre a "superioridade" natural
dos membros da magistratura faz parte de uma das decisões da
juíza. Ela negou pedido de um trabalhador rural por considerar
que seus direitos trabalhistas já estavam prescritos. O trabalhador
largou o emprego em 1982 e só foi reclamar seus direito em agosto
de 2007.
Adriana aproveitou a ocasião de decidir tão magna questão
para ressaltar, em poucas palavras, toda a magnificência da profissão
dos juízes. O trabalhador, além de perder a causa, teve
de ouvir coisas como esta: "Ele [o juiz] é alguém
em frente aos demais e em frente à natureza; é, portanto,
um sujeito capaz, por si mesmo, de perceber, julgar e resolver acerca
de si em relação com tudo o que o rodeia".
A juíza de Santa Rita é uma atuante servidora da Justiça
do Trabalho na Paraíba. Na próxima quinta-feira (22/11)
ela promove em sua cidade, o projeto Conciliar e Arrematar. Pela manhã,
haverá audiências de conciliação dos processos
cujas partes já foram notificadas. À tarde, os processos
que não foram resolvidos através de conciliação
terão os bens ofertados em leilão.
É a primeira vez que uma experiência como essa é
feita na área do Tribunal Regional do Trabalho da 13ª Região
(Paraíba). Segundo Adriana o objetivo da mudança é
agilizar a finalização do processo. "A idéia
é solucionar os processos, seja pela conciliação,
seja pela arrematação dos bens para o pagamento das dívidas
trabalhistas".
Qualidades e defeitos
A Consultor Jurídico tentou ouvir a opinião da Associação
Nacional dos Magistrados da Justiça do Trabalho, mas seu presidente,
Cláudio José Montesso, não quis comentar a decisão.
Marcos Salles, presidente da Associação dos Magistrados
da Paraíba, que representa os juízes da Justiça
estadual paraibana, afirmou não ter lido a decisão de
Adriana. Mas ouviu comentários sobre ela entre seus colegas.
"Não conheço o contexto da afirmação,
mas não concordo. O juiz é um ser como qualquer outro,
com qualidades e defeitos."
Segundo ele, seus colegas comentaram que Adriana mostrou acreditar
que o juiz é um profissional melhor do que os outros. "Não
acho isso. Estamos em uma república. Igualdade é a primeira
regra que devemos seguir."
O presidente da OAB, Cezar Britto, também comentou as palavras
de Adriana. "A grandeza da magistratura é poder julgar homens
sendo absolutamente um homem. É a idéia da Justiça
se auto-julgando", disse Britto. "O juiz não é
melhor nem pior do que qualquer ser humano. Pensar diferente é
não compreender a função da Justiça".
A sentença de Adriana foi parar no site do Centro Acadêmico
de
Direito da Universidade Estadual da Paraíba, junto com o seguinte
comentário: "Causou estranheza a sentença proferida
pela Juíza da Vara do Trabalho de Santa Rita-PB. No bojo de sua
decisão, juíza afirmou que a liberdade do juiz o fazia
um ser superior aos outros e que gozava ele de uma dignidade especialíssima.
A soberba e arrogância dos argumentos fica visível quando
a mesma afirma que o juiz é um ser absoluto e incomparavelmente
superior aos demais.
As palavras da juíza Adriana, no entanto, não espantaram
um representante de classe da magistratura, que preferiu não
se identificar. Ele apenas comentou que considera o que a juíza
disse "normal".
Leia a decisão
PODER JUDICIÁRIO
JUSTIÇA DO TRABALHO
TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO - 13° REGIÃO
Única Vara do Trabalho de Santa Rita-PB
ATA DE INSTRUÇÃO E JULGAMENTO
PROCESSO Nº 01718. 2007.027.13.00-6
Aos 21 dias do mês de SETEMBRO do ano dois mil e sete, às
09:39 horas, estando aberta a sessão da Única Vara do
Trabalho de Santa Rita, na sua respectiva sede, na Rua Vírginio
Veloso Borges, S/N, Alto da Cosibra, Santa Rita/PB, com a presença
da Sra. Juíza do Trabalho Titular, ADRIANA SETTE DA ROCHA RAPOSO,
foram apregoados os litigantes:
Reclamante: LUIZ FRANCISCO DA SILVA
Reclamado: USINA SÃO JOÃO
Instalada a audiência e relatado o processo, a Juíza Titular
proferiu a seguinte sentença:
Vistos etc.
LUIZ FRANCISCO DA SILVA, qualificado nos autos, propõe ação
trabalhista em face de USINA SÃO JOÃO, igualmente qualificado
nos autos, afirmando ter trabalhado para o reclamado, postulando os
títulos elencados às fls. 04/12.
Junta procuração e documentos. Notificado o reclamado,
veio a juízo e não conciliou. Fixado valor ao feito. Defesa
às fls. 23/27 contestando o postulado. Junta documentos. Houve
os depoimentos do reclamante e da reclamada. Dispensada a produção
de provas pelo Juiz. Encerrada a instrução. Os litigantes
aduziram razões finais remissivas e não conciliaram. Eis
o relato.
DECIDE-SE:
FUNDAMENTAÇÃO
1. DA LIBERDADE DE ENTENDIMENTO DO JUIZ
No vigente diploma processual civil, temos normas que atribui ao juiz
amplo papel na condução e decisão, dispondo poder
o julgador dirigir "o processo com liberdade para determinar as
provas a serem produzidas", "dar especial valor às
regras de experiência comum ou técnica" (art. 852-D)
e adotar "em cada caso a decisão que reputar mais justa
e equânime, atendendo aos fins sociais da lei e as exigências
do bem comum" (art. 852-I, §1º). Talvez o ponto mais
delicado do tema esteja na avaliação da prova, o que envolve
os princípios da unidade e persuasão racional e sua relação
com o princípio protetivo. O princípio da unidade diz
que, embora produzida através de diversos meios, a prova deve
ser analisada como um todo e o princípio da persuasão
racional relaciona se com a liberdade de convicção do
Juiz, mas obriga-o a fundamentar a sua decisão.
A liberdade de decisão e a consciência interior situam
o juiz dentro do mundo, em um lugar especial que o converte em um ser
absoluto e incomparavelmente superior a qualquer outro ser material.
A autonomia de que goza, quanto à formação de seu
pensamento e de suas decisões, lhe confere, ademais, uma dignidade
especialíssima. Ele é alguém em frente aos demais
e em frente à natureza; é, portanto, um sujeito capaz,
por si mesmo, de perceber, julgar e resolver acerca de si em relação
com tudo o que o rodeia.
Pode chegar à autoformação de sua própria
vida e, de modo apreciável, pode influir, por sua conduta, nos
acontecimentos que lhe são exteriores.
Nenhuma coerção de fora pode alcançar sua interioridade
com bastante força para violar esse reduto íntimo e inviolável
que reside dentro dele.
Destarte, com a liberdade e a proporcional responsabilidade que é
conferida ao Magistrado pelo Direito posto, passa esse Juízo
a fundamentar o seu julgado. (grifo nosso)
2. DA PRESCRIÇÃO
Em seu depoimento pessoal confessou o suplicante que pediu para sair
do reclamado em 1982 e que depois não mais trabalhou porque ficou
sem condições de labutar. A presente ação
foi proposta em 22/08/2007. O art. 7o, inciso XXIX da nossa Carta Política
prescreve: Art. 7º — XXIX — ação, quanto
aos créditos resultantes das relações de trabalho,
com prazo prescricional de cinco anos para os trabalhadores urbanos
e rurais, até o limite de dois anos após a extinção
do contrato de trabalho; (Redação dada pela Emenda Constitucional
nº 28, de 25/05/2000) Por conseguinte, face à confissão
do suplicante, depoimento pessoal, temos como verdade que a relação
entre os litigantes foi rompida em 1982. Em conseqüência,
considerando o lapso temporal superior a dois anos, entre o dito rompimento
do contrato entre os litigantes e a propositura da presente ação,
acolhemos a prescrição bienal aduzida pela defesa, para
julgar improcedentes os pleitos de salário mensal, repouso semanal
remunerado, domingos e feriados, registro/baixa da CTPS, aviso prévio,
horas extras, diferenças salariais, salário família,
salário in natura, saldo de salários, 13º salário,
indenização acidentária, FGTS + 40%, FGTS e art
10, penalidades, descanso semanal remunerado sobre horas extras, PIS,
INSS, imposto de renda, indenizações referidas às
fls. 10 e multa do Art. 467 da CLT.
3. DA JUSTIÇA GRATUITA
No que pese o entendimento deste Juízo no tocante à Justiça
Gratuita, publicado na Revista do Tribunal — Ano I, no. 03 —
Biênio 94/95 — TRT — 13a. Região, fls. 43/45,
face ao pronunciamento unânime do Egrégio Tribunal deste
Regional, referente à matéria idêntica nos autos
do Processo Nº AI-107/97, publicado no Diário da Justiça
deste Estado em 27/11/97, adota-se o princípio da celeridade
processual, para deferir a Justiça Gratuita postulada e consequentemente
dispensar o demandante das custas processuais.
DISPOSITIVO
Ante o exposto, resolve a Juíza Titular da Única Vara
do Trabalho de Santa Rita-PB julgar IMPROCEDENTES os termos dos pedidos
formulados por LUIZ FRANCISCO DA SILVA em face de USINA SÃO JOÃO
Se a tabela acima não for publicada na internet, encontra-se
disponível nos autos do respectivo processo.
Ciente os litigantes. Súmula 197 do TST. Encerrou-se a audiência.
E, para constar, foi lavrada a presente ata que, na forma da lei, vai
devidamente assinada:
Adriana Sette da Rocha Raposo
Juíza Titular
Joarez Luiz Manfrin
Diretor de Secretaria
Revista Consultor Jurídico, 17 de novembro de 2007