Brincando de administrador
Édi Prado
Publicada em 24/02/2006
Li num jornal do ano passado, matéria bem ilustrada, sobre
a inauguração da passarela no Aturiá. Fiquei surpreso
e infeliz. A matéria não cita o “memorial”
da obra: comprimento, largura, quantas rampas ou escadas de acesso,
se têm iluminação, palco, cabine policial, valor.
Não diz nada sobre a obra. “Só que foi concluída
em três semanas, com previsão de durabilidade média
de cinco anos, já que não se trata de uma construção
que irá beneficiar os moradores apenas neste período de
verão, mas sim cotidianamente”. (sic).
A obra, concluída em parceria entre o Governo do Estado e a
Prefeitura de Macapá, aponta um sinal de maturidade política,
bem conveniente às vésperas de uma eleição.
Surpreso pela velocidade imprimida para uma obra pública, destinada
a um público que nunca mereceu tanta pressa, assim. Nem a obra
é considerada prioridade, para o governo, diante de tantas prioridades.
Melhor que nada. Para quem não tem nada, nem esperança,
muito menos acredita em nada, até o nada é tudo.
Esse é o milagre do Macapá Verão e das proximidades
das eleições. Todo mundo aplaudiu. Muita gente que não
lembrava nem como chegar ao Aturiá, achou o caminho. Os proprietários
dos bares então, ficaram entusiasmados.
Porém entre muitas surpresas e tanta presteza em armar o circo,
uma informação me deixou preocupado: “A obra foi
concluída em três semanas e a durabilidade média
é de cinco anos, já que não se trata de uma construção
que irá beneficiar os moradores apenas neste período de
verão, mas sim cotidianamente”. Só cinco anos de
durabilidade? Se esta obra fosse servir aos interesses de uma empresa
privada, certamente levaria menos tempo para a conclusão, ficaria
bem menos onerosa e não se faria previsão de durabilidade.
Numa comunidade, como o do Aturiá, que tem realidade semelhante
às outras ribeirinhas, encontra-se todos os profissionais necessários
dentro da própria comunidade: do ajudante ao mestre-de-obras.
Eles conhecem a técnica, madeira a todo o material necessário
para uma obra de “pai para netos”.
Mas a obra é pública, visa atender a todos. Logo, todos
seriam responsáveis pela manutenção. Porque vivem
lá, precisam dela todo o tempo. Então o tempo de duração
seria proporcional ao tempo todo. Ninguém, de bom juízo
ou tão irresponsável, deixaria uma tábua quebrar-se,
sem imediatamente ser substituída. O filho, a mulher, a idosa,
a gestante, o deficiente físico ou uma criança, poderia
quebrar a perna ou sofrer outros acidentes, não menos grave,
só por causa dessa tábua quebrada no meio da passarela.
A conscientização de que aquela passarela não é
do governo, mas de todos que se beneficiam dela, não se permite
previsão com um prazo tão escasso, por falta de manutenção.
Seria burrice coletiva. Mas falta conscientização coletiva,
também.
O mais grave é que os engenheiros anunciam o fim, sem nenhuma
cerimônia, numa previsão otimista de cinco anos. E no sexto
ano, as pessoas estariam andando sobre os tocos, sobre as ruínas
da passarela? E quando a maré encher, todos de canoa? Então
as pessoas só precisam de uma obra que dure até a próxima
eleição?
A rodovia que liga Caiena a Courou, na Guiana Francesa, foi construída
há mais de 25 anos. E durante todo o trajeto longo, com pistas
largas, pavimentadas, iluminadas, com grades de proteção,
sinalização e outros itens necessários de segurança
para uma rodovia que preze não se percebe nenhum centímetro
de emendas, falhas no asfalto ou qualquer inconveniente para os motoristas
e pedestres. “Eles gastaram muito naquela obra”, tentou
justificar um engenheiro de uma empreiteira. Percebam como ele falou
em gasto. Dinheiro público não se deve gastar e sim aplicar.
E bem.
Vamos considerar que foi um custo elevado para a época. Agora
vamos dividir este custo pelo tempo permanente de uso. Quanto custou
esta obra? Não custou nada. Porque foi aplicada com responsabilidade,
considerando o custo/benefício/durabilidade. E não precisa
ser engenheiro, nem governador, nem prefeito para entender a lógica
deste cálculo. O grande problema é que não se pensa
na população, no cofre público, no benefício
coletivo permanente. Pensa-se no lucro rápido e visando à
próxima eleição.
Mas pensa mal. O dinheiro que se vai gastar com a reforma, poderia
ser aplicado em outra obra também necessária e duradoura.
O nome deste administrador seria correção, transparência
e estaria sendo um out door permanente, com direto a reeleger-se todo
o tempo para qualquer pretensão.
Mas é a máxima de quem diz que obras de saneamento básico,
água potável e esgoto, são obras mortas porque
vivem enterradas e ninguém vê. Como ninguém vê?
Pois elas estão na cara quando você toma banho, escova
os dentes, prepara o almoço, rega os jardins, lava os carros,
a roupa, apaga os incêndios, lava os enfermos e esgotam tudo que
despejam torneiras abaixo. Lavam tudo quando acionas a descarga do teu
banheiro. Obras escondidas, mortas e enterradas? Só se você,
administrador, já morreu e nem sabe que precisa ser enterrado.
E este enterro pode ser nas urnas, também. Cuidado!